Quando foi publicado, em 1945, depois de rejeitado por vários editores - entre eles o poeta T.S. Eliot -, "A revolução dos bichos" causou mal estar no establishment literário e político da época, pois foi imediatamente percebido como uma sátira feroz da ditadura stalinista, e os soviéticos ainda eram vistos como aliados na luta contra o nazifascismo. Para agravar o desconforto, os líderes do regime totalitário da Granja dos Bichos eram os porcos - o que soou como uma ofensa direta aos dirigentes russos. De fato, a analogia era escancarada. Como não identificar nos expurgos, nos assassinatos, nos exílios e na distorção da memória histórica o que estava ocorrendo na União Soviética? Como não ver Stálin no despótico Napoleão e Trotski no proscrito Bola-de-Neve?
Poucos anos depois, a situação se inverteu: com o acirramento da Guerra Fria, o Ocidente passou a usar a fábula política de George Orwell como arma ideológica anticomunista - situação incômoda para o próprio autor, que se professava socialista e havia lutado como voluntário ao lado dos republicanos na Guerra Civil Espanhola.
Hoje, passadas seis décadas de profundas transformações na face do mundo, esta pequena obra-prima resiste intacta como trabalho de fantasia em torno dos mecanismos do poder, no qual os diversos animais encarnam as fraquezas humanas que levam à corrosão dos ideais igualitários e sua transformação em tirania.
Fundindo o estofo ético das fábulas clássicas à melhor tradição da sátira política, à maneira de Jonathan Swift, Orwell nos dá aqui uma visão perene e pessimista da política, lugar onde os homens, no mais das vezes, comportam-se como feras. A construção narrativa engenhosa, o cuidado na descrição de ambientes e situações, o humor onipresente, bem como a criação de personagens psicológica e moralmente complexos, tornam a leitura de "A revolução dos bichos" prazerosa e iluminadora mesmo para quem desconhece o contexto histórico-político que inspirou o livro. Por isso continua sendo um clássico que apaixona os mais variados tipos de leitor pelo mundo afora.
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