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quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Carta aos que não vêem





Ipanguaçu, 03 de novembro de 2010. 
Àqueles incapazes de ver além...
  
Sou um estudioso novato na Literatura, é tanto que ainda não tenho uma única linha de pesquisa definida. Aprecio o estudo mútuo e sem recortes de todas as vertentes literárias, desde as leituras clássicas que nos remetem a escritores como Machado de Assis, Eça de Queiróz e José de Alencar, até a pura nata da contemporaneidade, como José Saramago, Mia Couto, Lya Luft e Paulo Lins. A palavra escrita é algo tão belo e vasto, interpretativamente falando, que estaria cometendo um crime contra meus princípios em ler apenas “tal autor” ou “tal temática”. Gostaria de questioná-los a despeito de suas posições definitivamente acadêmicas e restritivas no que concerne aos livros da série Harry Potter, de autoria da escritora britânica J.K. Rowling.
É interessante vosso posicionamento, pois são inúmeras as pessoas que vão de encontro à tão primorosa e fantástica obra da literatura contemporânea. Não creio que os livros Harry Potter não possam ser comparados, em termos de prazer literário, à Gabriel García Marquez ou Murilo Rubião. Penso que esta afirmação goza de um preconceito implícito e mascarado no tocante às obras literárias que têm um bom rendimento de vendas ou que, simplesmente, viram filmes de bilheterias gigantescas. Pergunto-me sobre o que, segundo o senhor e outros tantos acadêmicos e professores de Línguas, deixa autores como Dostoiévski, Clarice Lispector, Graciliano Ramos, Walt Whitman e Herta Müller em uma dita “aura de plenitude” no campo literário, já que percebo quase que automaticamente ao ler cada um deles que seguem linhas totalmente distintas. Tomemos como exemplo Fiódor Dostoiévski e Walt Whitman, um russo e um norte-americano, um defensor da linguagem forte, direta e chocante e o outro mais intimista, subjetivo e reflexivo. O que há de semelhante, além da qualidade narrativa e os temas tratados? Qual o elo de ligação para o céu dos autores perfeitos e seus livros mais perfeitos ainda?
Em se tratando dos livros da série Harry Potter, creio que são tão belos quanto, por exemplo, “Ensaio sobre a Cegueira”, de Saramago. Não penso que com tal afirmação eu esteja dizendo bobagens, pois pelo contrário posso defender minha opinião com argumentos simples e eficazes. No livro de Saramago que ganhou o Nobel há uma tensão clara do início ao fim da obra, que prende o leitor em seu entorno de suspense, sofrimento e retaliação reflexiva. Em Harry Potter e a Pedra Filosofal, por exemplo, no capítulo 17, “O Espelho de Ojesed”, nos deparamos com uma das metáforas mais lindas que tenho lido nos últimos anos: a dos desejos internos do homem. Não me refiro a nenhum fascínio por dinheiro ou dominação do globo, até porque no livro fica claro que cada um que olhar de fronte o espelho se verá como deseja realmente ser. Saramago certamente diz isso em “Ensaio sobre a Cegueira”, mas duvido muito que com toda a magia e destreza que Rowling faz em “A Pedra Filosofal”. A comprovação está no seguinte: leia-se um trecho de Saramago e um trecho de Rowling para uma criança e vejamos que mensagem será mais bem entendida. Ora, qual é o objetivo de falarmos uma ou mais línguas senão o de nos comunicar? Quando este objetivo é inatingível não há boa literatura que dê jeito.
Para tratar de morte, por exemplo, logo nos dois primeiros livros da série, “Harry Potter e a Pedra Filosofal” e “Harry Potter e a Câmara Secreta”, a autora usa elementos simples e impactantes que persuadem o leitor quase que imediatamente. Desde a primeira história, mais especificamente no capítulo “O menino que sobreviveu”, já nos pomos de frente à situação do pobre Harry, órfão e sem saber que seus pais morreram pelas mãos de um bruxo das trevas, que por sinal, havia tentado matá-lo também. Gosto bastante da atual Literatura Marginal, mas não vejo jeito de ensinar sobre a perda das pessoas que amamos a crianças ou leitores de primeira viagem com um trechinho de “Cidade de Deus”, do Paulo Lins.
Não vejo “Harry Potter” como um simples fenômeno mercadológico e nem J.K. Rowling como uma pobre mulher que teve sorte de escrever uma história que agradasse. Ela é tão fantástica e maestral quanto a série que escreveu. Tratar o amor, o bem, a amizade, a coragem e a morte em livros aparentemente infantis é algo que me comove enquanto leitor e que ficará guardado em memória por tempos incontáveis. Os valores humanos nunca estiveram tão em alta para mim como nesses livros. É comparável a Tolkien e o “Senhor dos Anéis” e às “Crônicas de Nárnia”, de C.S. Lewis, séries tão mágicas quanto Potter que também já sofreram em suas épocas de lançamento o mesmo desentendimento de temas pelo qual o senhor passa agora em relação a Harry Potter. Pensemos juntos: a “moda” do momento é a literatura marginal e toda sua carga de denúncia social. Mas será que depois do sucesso de “Cidade de Deus” nas telonas, outros escritores não passaram a pensar mais na disponibilidade de mercado do tema do que na própria denúncia social?
Gostaria que repensassem suas posições em relação a este tipo de literatura, não só Harry Potter, mas também autores como Dan Brown, Stephenie Meyer, Rick Riordan e Nicholas Sparks. Todo livro tem uma história e todas elas merecem ser lidas. Cada livro é uma amizade, pense nisso. Sou fã inexorável de Edgar Allan Poe, Saramago, Mia Couto, Ondjaki, Orwell, Foucault, Hall e Paulo Lins. Mas não podemos nos prender a noções preconcebidas, estereotipadas e preconceituosas sobre a literatura. Dessa forma, ela não salvará, me perdoe Clarice. Assim, nos levará à morte. 

Cordialmente,

André Magri Ribeiro de Melo.

Um comentário:

  1. André, você sempre reafirma sua posição quanto as impressões dos "mestres" da língua portuguesa quanto À Literatura Fantástica. E eu novamente venho me posicionar afirmando que concordo com você. A diferença desta vez é que você tocou num tema que eu havia me esquecido há tempos: Harry Potter é um sucesso de bilheteria no mundo todo (aqui no Brasil, HP7 Pt.1 superou Tropa de Elite II nesse quesito). E me pergunto se esse é o problema ou se só mais um deles.
    Parece que os mestres têm uma certa aversão à tudo que atrai muita gente. E em alguns casos eles estão certos. A 'lei científica' passa a ser inválida ao lembrarmos que os livros de Clarice, por exemplo, vendiam bastante na época de lançamento; o Rock é soberano na Inglaterra - viva Muse! :) -; os filósofos e poetas são conhecidos por muitos em várias partes do mundo; e afins.
    Aí chego a seguinte conclusão: eles gostam disso só porque não fazem sucesso aqui no Brasil? E lá fora? O mundo é um só, grandes mestres!!!
    Lembrem-se: Saramago é um fodão, eu concordo completamente, mas uma criança de 10 anos ia ter pesadelos por semanas achando neles que está cega! Que tal pegarem as lições do livro e aplicar nessas situações?
    Liberdade Literária já!

    P.S: vamos criar a rashtag #LiberdadeLiterária

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