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terça-feira, 9 de novembro de 2010

Com vocês, o espetáculo da negação!


"Não dá certo!", "Não gosto disso", "Os alunos não vão aprender nada com isso!", "É perda de tempo!", "Eu mesmo nem vou!". Chega! Escutar essas lamentações típicas de professores acomodados e preguiçosos ao extremo de vez em quando ainda vai. Agora, diariamente é dose! Conviver todos os dias com as demonstrações científico-tecnológicas dos queridos colegas de que alunos de escolas municipais e públicas estão destinados ao fracasso e que não vão aprender nada além de metade da tabuada, uma classe gramatical aqui e outra aculá e, com sorte, os pronomes do verbo Tobby é o máximo que esse povo acha que eles irão aprender, né? Pois tá certo! Digo e repito: "PROFESSORES VITIMADOS SÓ PODEM TER ALUNOS ALGOZES!"

A pérola da "prole universitária" da vez surgiu durante uma reunião pedagógica quinzenal, junto à supervisão escolar. Foram discutidos vários pontos, desde os diários de classe até à situação dos possíveis candidatos à reprovação no final do ano letivo. Falou-se também sobre a participação da escola nas festividades do 62º aniversário da cidade, onde haverá o famoso Desfile Cívico com o tema: "A África da luta, do revide e da libertação: Ipanguaçu agora conta a história de uma nação". O tema que coube à escola foi relacionado à ancestralidade dos cultos africanos. Em outras palavras, religião. A supervisora dos anos finais do EF propôs que trabalhássemos em sala os conteúdos antes mesmo de começar a pensar em alas, figurino e tal, ponto de extrema relevância no ensino dos meninos. Proposto isso, vamos aos comments:

"Olhe, eu acho tudo isso uma besteira! Uma grande perda de tempo! Pra quê esses alunos estudarem essas coisas lá do outro lado do mundo? Onde é que isso vai alterar a realidade deles? Isso tudo é só faixada! Ninguém aprende nada, pode ter certeza!"

"Vixe! Não gosto desses negócios de orixás não! O Senhor me livre, mas isso não é coisa de Deus."

"Bem, eu posso até passar na sala pros alunos, agora Deus que me livre e tire da minha cabeça qualquer lembrança disso tudo. Ó, Senhor Jesus. Isso não é coisa do Senhor não."


É, eu estou em choque! OH, MY GOD! Com professores assim, quando é que a educação brasileira vai mudar? Onde vamos com tanta discriminação, intolerância e burrice? Dentre muitas das opiniões que formei com base nos disparates aí em cima eu só posso concluir uma coisa: conhecimento vai  dar no inferno! Por isso, o convite à burrice foi lançado! E que vençam os mais fracassados. 

Todas as ótimas perspectivas que eu tinha a respeito da formação universitária foram pro beleléu tem um tempo, pois eu pensava que nas universidades as pessoas eram instruídas a pensar, a aprender a ensinar e formar cidadãos críticos e pautados no respeito às diversidades culturais, sejam elas de cunho religioso, artístico, social ou sexual. O que esses (as) professores (as) disseram é o cúmulo do absurdo. Isso é simplesmente jogar todas as fichas a serem depositadas no sonho da educação libertária no lixo! Questionei um (a) deles (as) sobre a importância de os alunos negros e pardos, principalmente, terem ideia de sua identidade cultural e do porque, por exemplo, de terem traços físicos similares como textura do cabelo, contorno facial e cor da pele, mostrando que isso era um das contribuições que a escola e, certamente, os professores deveriam dar para os alunos, tendo em vista os altos índices de racismo, preconceito e discriminação para com os afrodescendentes. Resposta... Tchanrã! "Você acha que isso vai acabar o racismo? Isso não vai ensinar nada a eles!". A partir daí, eu realmente vi que não havia motivo para continuar participando da reunião, onde a supervisora e meu colega professor de Língua Inglesa eram os únicos a pensar como eu. A forma como a religião deixa as pessoas burras e cegas é absurda. O ruim disso tudo é você ter de ser ético e seguir convenções morais em relação ao que pretende falar. Você quer falar coisas do tipo: "Olha, deixa de ser ignorante, sua pedra! Você tá fazendo o que por aqui? Se não quer dar aula, vai ser jardineiro, coveiro ou policial, mas se afaste da educação!" No entanto, o máximo que você "deve" dizer é: "Bem, discordo da sua opinião e não vejo fundamentos pedagógica e educativamente construtivos nela!" Não é pra se morder? Mas paciência um dia acaba, e aí, bem, não sei se vou manter o salto no lugar. 

O pior é que quem perde com tudo isso são quem? Os alunos! Os alunos que têm DIREITO à boa educação e formação cidadã! Os alunos que merecem RESPEITO por parte de seus educadores, sem serem tratados como água de vaso sanitário! Os alunos que DEVERIAM TER uma educação étnico-racial pautada nos princípios do respeito da diversidade, onde a cultura é algo que não deve se mostrar hierarquizado. Mas o que temos, infelizmente, são uns tantos teachers como os que deram origem à minha revolta escrita aqui no post.

Mas existe uma coisa que me faz rir dessa situação toda, pessoal. E é o seguinte: em cada uma das minhas turmas, do 6º ao 9º ano, foram criados grupos de estudo em História , Cultura e Identidade Africana e Afro-brasileira, onde os alunos do interior, carentes, menosprezados, desacreditados e humilhados estão estudando literatura de ícones da prosa fantástica africana, lendo fundamentos teóricos de estudiosos da negritude e, é claro, analisando o conceito de "identidade" do Stuart Hall. Bem, os profes continuam na deles lá, só com o velho e carcomido livro didático. Trocando em miúdos, os alunos agora continuam sendo do interior e carentes, mas além disso são valorizados, engajados, assíduos, estudiosos e sensíveis! Melhor correrem, licenciados! O pessoal da zona rural tá passando anos luz de vocês, humana, acadêmica e cognitivamente falando!


8 comentários:

  1. Ainda estou tentando absorver esses comentários sujos e imundos desses professores de merda. Se acham só porque passaram 4 anos numa bosta de universidade e acham que sabem alguma coisa. Se alguns dos meus professores não existissem, já teria perdido as esperanças. E perco muito mais a cada dia que passa.
    Não me importo de usar o palavrão. Tem horas que não dá para aguentar e eu digo mesmo. Falo no nível e caráter linguístico que eu desejar. Se houver alguém nesse mundo que se incomode, PROBLEMA DESSA PESSOA!!!
    Quanto ao que fazer com esses troços, eu primeiro daria um soco na cara de cada um, depois eu cuspiria neles. O bom comportamento acaba de vez em quando.
    E quanto aos alunos, vocês são minha verdadeira esperança. Parabéns a eles. Vocês estão à caminho da liberdade.
    Bem, e cada dia que passa, ao ver esses professores, eu penso com calma se realmente farei universidade, ou dedicarei minha vida à absolutamente nada, e criarei meu próprio conhecimento!

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  2. Aff, num apareceu a confirmação de palavras hj de manhã não! Mas enfim...

    André, a gente tem sempre que lembrar que as pessoas são (também) fruto de um dado contexto. O que seria da sua prática hoje se não fosse, por exemplo, a influência de Negreiro? Seria igual? Esse tipo de formação que você prega é o tipo de formação que a maioria de nós profes não teve! Quando a gente lembra disso fica bem mais fácil ter menos raiva e mais solidariedade. Seus colegas merecem seu respeito - e precisam dele pra poderem te ouvir sem se sentirem acuados. Pelo respeito, eles podem se sentir acolhidos por você.

    Outra: NUNCA espere que seus colegas concordem com você. Suas idéias são revolucionárias e não existe revolução sem resistência.

    (tomara que agora dê certo!)

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  3. Pri,

    eu entendo o que você quer dizer, mas não sei se por ser muito jovem ou por falta de maturidade eu veja que não são todos os professores que estão dispostos a "serem ajudados". Digo isso porque tenho tido um contato maior com a educação nesse último ano e, enquanto aluno, tenho aproveitado melhor meu tempo com meus professores para conversar não só sobre as disciplinas específicas, mas também sobre educação. Você sabe bem disso, pois assim como Carlos, vc é uma das minhas profs e está sempre me dando "toques" no jeito de trabalhar com os meus alunos, de receber opiniões diferentes e ver com mais complacência o "errado" acontecer.

    Depois da 1ª formação em História e Cultura africana e afrobrasileira vários profs e profas vieram me perguntar sobre materiais relacionados ao assunto, pois agora que sabiam da existência da Lei e sua importância queriam ensinar isso aos seus alunos!
    E isso foi depois de cerca de 3 hs de palestra. E só!

    Eu sei q sou um pouco rígido demais nas minhas palavras, às vezes, mas é que eu me importo muito com meus alunos e com um monte de outros tantos aí pelo Brasil que não são educados da forma como deveriam ser.

    Criticar o prof que não ensina algo pq desconhece é uma coisa. Criticar um prof que é apresentado quase q diariamente à mudança e se propõe simplesmente à ação de nem dá bola, é outra coisa bem diferente.

    Quando eu falo sobre a importãncia da leitura com meus colegas, por exemplo, vejo q eles escutam à força! Acham simplesmente besteira. E eles podem até não ter tido, provavelmente, uma educação formadora leitora na universidade, mas com a experiência que têm e os meios de comunicação à sua disposição é, no mínimo, intrigante tanta negação.

    Espero que tenha entendido meu posicionamento.

    E obrigado sempre pelos comments aqui! Eles só me fazem melhor e tbm o blog mais maduro!

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  4. André, entendo seu posicionamento,diariamente batalho por isso mesmo não sendo professora... Como aluna mesmo tento falar um pouco com os meus professores sobre a proposta da autonomia e libertação e na maioria das vezes sou ignorada pelos meus colegas e já levei o nome de rebelde e revoltada muitas vezes... É até um pouco estranho saber que na nossa instituição tenha professores ainda assim... Como dizia Paulo Freire "Mudar é difícil, mas é possível", que os professores não receberam essa formação é fato infelizmente, mas não podemos fazer disso uma desculpa a mudança é possível, porém as pessoas têm que agir, o que implica a mudança ser tão lenta, as pessoas não querem agir, pois isso que dizer quebrar com os seus próprios paradigmas...
    Estou com você nessa e qualquer dia gostaria de ir na escola em que você ensina, inclusive em uma dessas reuniões pedagógicas...

    Um enorme abraço!

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  5. André , Cada dia que passa seu blog esta melhor , parabéns , sua inteligência é fascinante

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  6. UAU! Obrigado, Alana. Seu comentário é um lisonjeio, minha flor. :) Fico super contente que você esteje gostando do que escrevo! Por isso, o convite é novamente feito: apareça sempre, leia, comente e dê sugestões! :))
    Beijo.

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