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sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

A literatura de Poe: liberdade vs. fatalidade


Nas narrativas de Poe, está em curso uma imaginação livre, moderna e poderosa. Há sempre um sujeito muito claro que enuncia o relato e está sempre em cena uma linguagem que "Aparece", como diria Foucault. Esta marca de vincada subjetividade torna-se visível, por exemplo, no conto "Silêncio", que dá corpo a um curioso diálogo entre o demônio e o narrador, junto ao túmulo deste último, sob o pano de fundo de uma paisagem que se vai alterando. Metamorfose que por si se explica como se fosse um ato que não carece de criador ou explicativo: é este mesmo o cerne do emergir literário.

O modelo de diálogo onde o demônio intervém surge em outras narrativas como, por exemplo, em "O Gato Preto" (J'adore! =]). O trânsito entre a vida e a morte torna-se aí realmente chão, direto e, sobretudo dissociado da parábola ou do caráter de alegoria ou "exempla", o que jamais aconteceria nas literaturas pré-modernas que sempre separaram a esfera do divino e a esfera dos homens. Os personagens de Poe são sempre sujeitos ativos que edificam, matam ou redimem, sendo tão-só guiados pelo que resulta das virtualidades literárias da imaginação e da linguagem. O mesmo pressuposto de jogo criativo viria, no futuro, a revelar-se no cinema em alguns dos mestres do expressionismo cinematográfico alemão, como Fritz Lang ou Murnau.

Em Poe, a cena ficcional é sempre atraída por uma ideia de fatalidade, ao fim e ao cabo um modo de questionar os sentidos que a então recentíssima vida moderna e urbana colocava em marcha. Ao longo de séculos, as providências haviam acautelado a harmonia entre os deuses e os homens, mas agora, separados dessa junção protetora, os personagens de Poe mais não fazem do que profeticamente prenunciar - passe a redundância - a negatividade do sujeito moderno, tão do gosto de Baudelaire, Nietzsche ou Ortega Y Gasset, etc.

Em contos como "Ligeia", "Gato Preto", "O Rei peste", "Berenice" ou "Eleanora", a fatalidade acompanha toda a trama e chega mesmo a ser assinalada pela voz que narra: "Já não era capaz de me reconhecer. A minha alma original pareceu fugir-me de repente do corpo"; ou "Falarei apenas daquele aposento, para sempre amaldiçoado ao qual, num momento de loucura, conduzi como minha esposa - como sucessora da inolvidável Ligeia - a minha loura (...)".

Ao contrário dos monstros e "portenta" que, no imaginário pré-moderno, eram habitantes de um alhures legitimado de modo metafísico, nas narrativas de Poe a topografia das monstruosidades e fantasmas abre-se à empatia do quotidiano, sendo fruto de um puro jogo da linguagem literária. Tal ocorre, quer através de um olhar que filtra o ambiente das novas cidades e as novas visibilidades do quotidiano, quer através de um olhar preso à idealidade romântica e gótica que visiona ruínas medievais e espectros desolados. Literatura de fusão feita a partir de uma simbiose de olhares, como se vislumbrasse uma espantosa intuição do tropo fotográfico, fenômeno, também ele, emergente e contemporâneo da obra e da vida do autor.

[Texto de Luís Carmelo]

2 comentários:

  1. vida de cada um não deix
    a de ser, apesar de estar no meio
    de outras pessoas, uma realidade particularíssima.
    É na sociedade que se vive o desafio de
    alterar a circunstância. É isso que torna o viver u
    ma realidade absolutamente singular.
    Vive-se na circunstância, mas ela não é o eu. A vid
    a é um que fazer com a circunstância, é
    uma experiência que se vive na primeira pessoa ou u
    ma jornada em solidão. Por essa razão,
    o sujeito é responsável pelas escolhas que faz. Ess
    a realidade particular que é a vida de
    cada homem possui um lado de dentro e outro de fora
    , um estar voltado para si mesmo ou
    ensimesmar-se e um viver segundo normas, costumes,
    leis e verdades culturais ou alterar-
    se. Estar ora em si e ora fora de si cria uma situa
    ção instável, já que sempre haverá alguma
    distância entre os desejos e entendimentos dos indi
    víduos e as exigências do grupo e do
    meio natural. “O homem vive em sociedade e nela são
    comuns os conflitos. (...). O grupo
    impõe regras que precisamos aceitar” (CARVALHO, 199
    6, p. 86). Esse fato produz
    disputas, nos períodos tranquilos, e conflitos viol
    entos nos momentos de mudança histórica
    ou de crise
    3
    .
    alma e pelas expressões do pensamento ou espírito,
    tudo isto histórico e escondido em cada homem. Diz
    o
    filósofo em Sobre la expresión fenômeno cósmico (19
    25): “A diferença de todas as demais realidades do
    universo, a vida é constitutiva e irremediavelmente
    uma realidade oculta, inespacial, um arcano, um
    segredo!”(p. 578). A intimidade ou o lado de dentro
    que representa a parcela oculta da vida também
    circunscreve o eu, como também o envolve a situação
    exterior, a realidade social, econômica, política,
    temporal, em resumo cultural onde vivemos. O lado d
    e fora do indivíduo, aquilo que se manifesta para o
    s
    outros, é expressão do interior que se deixa ser co
    nhecido pelo que aparece fora. O homem tem, pois um
    lado
    de fora e um de dentro e ambos circunscrevem o eu,
    sendo que o corpo põe à mostra a alma, diz o filóso
    fo:
    “quando falamos com alguém estamos vendo sua alma c
    omo um mapa marinho diante de nós. E elegemos o
    que se pode dizer e desculpamos o que se deve calar
    , esquivando dos recifes daquela alma” (idem, p. 58
    9). O
    que Ortega y Gasset está dizendo é que não somos de
    todo opacos, de algum modo nosso corpo deixa ver a
    alma, é transparente. A descrição do contorno do eu
    encontra a alma como o primeiro círculo e só depoi
    s
    aparece a dimensão social. No entanto, se as coisas
    parecem ser assim ao eu adulto, a gênese da circun
    stância
    e seu desenvolvimento não se dá nesta ordem. Primei
    ro o eu reconhece o nós, o cultural, o que está lon
    ge do
    eu e só depois é que descobre o lado de dentro. Ou,
    como afirma o filósofo em Egípcios (1925 ): “O que
    primeiro se forma de cada alma é sua periferia, a p
    elícula que forma os demais, a pessoa e o eu social
    ” (p.
    716). Só depois descobrimos nossa intimidade como u
    m mundo próprio de experiências íntimas,
    representações e sentimentos

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  2. obrigado.... estudante da UEM MOZANBIQUE ______ FILOSOFIA____________________________________MAPUTO....

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